quarta-feira, 6 de abril de 2011

Reflexões úteis sobre a verdade e a mentira



A mente humana tem uma forte propensão a crer. É mais fácil e cômodo acreditar, sem fazer a verificação pessoal sobre o que se acredita. Um dos efeitos negativos dessa propensão é a inércia da inteligência, dificultando a função de pensar. Quem não pensa costuma aceitar tudo antes de decidir a investigar por si mesmo as questões que o preocupam ou interessam, expondo-se a freqüentes enganos e erros. Esta característica torna a mente sugestionável diante de tudo que vê, lê ou escuta, dificultando distinguir a verdade da mentira. O saber, adquirido por meio do estudo e da experiência, tem um efeito oposto: coloca o homem a salvo dos riscos a que a propensão a crer o expõe.
Francis Bacon, um dos grandes influentes na formulação do método científico, disse: "A compreensão humana não é um exame desinteressado (...); disso se originam ciências que podem ser chamadas “ciências conforme a nossa vontade”. Pois um homem acredita mais facilmente no que gostaria que fosse verdade. Assim, ele rejeita coisas difíceis pela impaciência de pesquisar; coisas sensatas, porque diminuem a esperança; as coisas mais profundas da natureza, por superstição; a luz da experiência, por arrogância e orgulho; coisas que não são comumente aceitas, por deferência à opinião do vulgo. (...)” Francis Bacon, Novum organon (1620)
Carl Sagan, um dos grandes astrônomos da era moderna, em seu livro “O mundo assombrado pelos demônios – A Ciência vista como uma vela no escuro”, mostra como identificar o que é verdade e o que é mentira, em um mundo cada vez mais cheio de armadilhas mentais para capturar indefesos. A seguir, apresentamos trechos extraídos e adaptados do capítulo “A arte refinada de detectar mentiras”, como fonte de reflexão sobre o tema.
Construindo um detector de mentiras
Na ciência, podemos começar com resultados experimentais, dados, observações, medições, “fatos”, etc. Inventamos um conjunto de explicações plausíveis e sistematicamente confrontamos cada explicação com os fatos. Ao longo de seu treinamento, os cientistas são equipados com um "Kit de detecção de mentiras". Este é ativado sempre que novas idéias são apresentadas para consideração. Se a nova idéia sobrevive ao exame das ferramentas do kit, nós lhe concedemos aceitação calorosa, ainda que experimental. Se possuímos essa tendência, se não desejamos engolir mentiras mesmo quando são confortadoras, há precauções que podem ser tomadas; existe um método testado pelo consumidor, experimentado e verdadeiro.
Eis algumas ferramentas do kit detector de mentiras (Nota: o texto original apresenta outros itens):
·     Sempre que possível, deve haver confirmação independente dos “fatos”.
·     Devemos estimular um debate substantivo sobre as evidências, do qual participarão notórios partidários de todos os pontos de vista.
·     Os argumentos de autoridade têm pouca importância – as “autoridades” cometeram erros no passado. Voltarão a cometê-los no futuro. Uma forma melhor de expressar essa idéia é talvez dizer que na ciência não existem autoridades; quando muito, há especialistas.
·     Devemos considerar mais de uma hipótese. Se alguma coisa deve ser explicada, é preciso pensar em todas as maneiras diferentes pelas quais poderia ser explicada. Depois devemos pensar nos testes que poderiam servir para invalidar sistematicamente cada uma das alternativas. O que sobreviver, a hipótese que resistir a todas as refutações nessa seleção darwiniana entre as “múltiplas hipóteses eficazes”, tem uma chance muito melhor de ser a resposta correta do que se tivéssemos simplesmente adotado a primeira idéia que prendeu nossa imaginação.
·     Não devemos ficar demasiado ligados a uma hipótese, só por ser a nossa. É apenas uma estação intermediária na busca do conhecimento. Devemos nos perguntar por que a idéia nos agrada. Devemos compará-la imparcialmente com as alternativas. Devemos verificar se é possível encontrar razões para rejeitá-la. Se não, outros o farão.
·     Devemos quantificar. Se o que estiver sendo explicado é passível de medição, de ser relacionado a algum valor numérico,, seremos muito mais capazes de discriminar entre as hipóteses concorrentes. O que é vago e qualitativo é suscetível de muitas explicações.
A confiança em experimentos cuidadosamente planejados e controlados é de suma importância. Não aprenderemos com a simples contemplação. É tentador ficar satisfeitos com a primeira explicação  possível  que surge em nossa mente. Uma é muito melhor que nenhuma. Mas o que acontece se podemos inventar várias? Como decidir entre elas? Não decidimos. Deixamos que a experimentação faça as escolhas para nós. Francis Bacon indicou a razão clássica: “A argumentação não é suficiente para a descoberta de novos trabalhos, pois a sutileza da natureza é muitas vezes maior do que a sutileza dos argumentos”.
Falácias a serem evitadas
Além de nos ensinar o que fazer na hora de avaliar uma afirmação, qualquer bom "kit de detecção de mentiras" deve também nos ensinar o que não fazer. Ele nos ajuda a reconhecer as falácias mais comuns e mais perigosas da lógica e da retórica. Há bons exemplos disso nas religiões e na política. Entre essas falácias estão:
·   Ad hominem – expressão latina que significa “ao homem”, quando atacamos o argumentador e não o argumento (Ex.: O Dr. Christiano é um conhecido socialista, por isso não precisamos levar a sério suas objeções ao regime capitalista)
·   Argumento de autoridade (Ex: O presidente Nixon deve ser reeleito porque ele tem um plano secreto para pôr fim à guerra no Sudeste da Ásia – mas, como era secreto, o eleitorado não tinha meios de avaliar os méritos do plano; o argumento se reduzia a confiar em Nixon porque ele era o presidente: um erro, como se veio saber depois);
·   Apelo à ignorância – a afirmação de que qualquer coisa que não provou ser falsa deve ser verdade, e vice-versa (Ex.: Não há evidência convincente de que os UFOs não estejam visitando a Terra; portanto, os UFOs existem – e há vida inteligente em outros lugares no Universo. Essa ambigüidade pode ser criticada pela expressão: a ausência de evidência não é evidência da ausência);
·   Seleção das observações, também chamada de enumeração das circunstâncias favoráveis, ou, segundo a descrição do filósofo Francis Bacon, contar os acertos e esquecer os fracassos *3 (Ex.: Um Estado se vangloria do presidente que gerou, mas se cala sobre os seus assassinos que matam em série);
·   Estatística dos números pequenos – falácia aparentada com a seleção das observações (Ex.: “Dizem que uma dentre cada cinco pessoas é chinesa. Como é possível? Conheço centenas de pessoas, e nenhuma delas é chinesa.”)
·   Compreensão errônea da natureza da estatística (Ex.: O presidente Eisenhower espantado ao descobrir que metade de todos os norte-americanos tem inteligência abaixo da média);
·   Non sequitur – expressão latina que significa “não se segue” (Ex.: A nossa nação prevalecerá, porque Deus é grande. Mas quase todas as nações querem que isso seja verdade; com freqüência, os que caem na falácia non sequitur deixaram simplesmente de reconhecer as possibilidades alternativas);
·   Post hoc, ergo propter hoc – expressão latina que significa “aconteceu após um fato, logo foi por ele causado” (Ex.: Antes de as mulheres terem o direito de votar, não havia armas nucleares);
·   Confusão de correlação e causa (Ex.: As crianças que assistem a programas violentos na televisão tendem a ser mais violentas na vida adulta. Mas a TV causou a violência, ou crianças violentas preferem assistir a programas violentos? Provavelmente, as duas coisas. Os defensores dos comerciais da violência na TV argumentam que qualquer um sabe distinguir entre a televisão e a realidade. Mas os programas infantis têm hoje uma média de 25 atos de violência por hora. No mínimo, isso torna as crianças insensíveis à agressão e à crueldade gratuita. E, se podemos implantar falsas lembranças nos cérebros de adultos impressionáveis, o que não estamos implantando em nossos filhos, quando os expomos a uns 100 mil atos de violência antes de terminarem o ensino fundamental?) 
Conhecer essas falácias lógicas e retóricas completa o nosso conjunto de ferramentas. Como todos os instrumentos, o kit de detecção de mentiras pode ser mal empregado, aplicado fora do contexto, ou até usado como uma alternativa mecânica para o pensamento. Mas, aplicado cuidadosamente, pode fazer toda a diferença do mundo – ao menos para avaliar nossos próprios argumentos antes de os apresentarmos aos outros. (Fonte: Carl Sagan, "O mundo assombrado pelos demônios", Ed. Cia. das Letras, S. Paulo, 1996, p. 200 - 217)
Para sua reflexão: Você já usou alguma ferramenta do “Detector de Mentiras”? Em que situações esses recursos do raciocínio lógico podem ser úteis a você? Você já se viu atuando ou foi alvo de uma atuação falaciosa (enganosa) como as mostradas acima? Qual seria a melhor forma de se defender de atitudes deste tipo? Você concorda que poderíamos resumir tudo em: “a melhor defesa é saber pensar”?
Sugestão para experimentar: Que outros recursos de defesa mental você poderia definir ou criar para sua proteção (mental e física), diante de afirmações, fatos, etc., que você lê, ouve ou vê na sua vida diária?

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