quarta-feira, 25 de maio de 2011

O Apressado

Entre os milhares de matizes pitorescos que contornam a psicologia  humana, nenhum é tão curioso e extravagante como a impaciência,  quando se manifesta com o perfil da pressa. 
A memória dos fatos observados faz recordar um personagem que  vivia em constante agitação. Tomava o café da manhã apressadamente, pondo-se intolerável se num instante não fosse servido satisfatoriamente,  embora depois demorasse duas horas lendo o jornal. Saía de casa  com invariável pressa, irritando-se com qualquer demora ou contratempo  que lhe impedisse chegar rapidamente ao seu serviço habitual.  Mas não levava em conta o tempo que tardava para começar a trabalhar. 
Andava pelas ruas como quem cumpre urgentes diligências, e, cada  vez que encaminhava um assunto qualquer, sempre se referia à escassez  de seu tempo, protestando com ira quando alguém demorava um  minuto para atendê-lo. 
Dava a impressão de sempre estar ocupado com assuntos importantes, embora nada lhe impusesse urgência para ter tais pressas; ao  contrário, muitas vezes era visto perdendo lamentavelmente o tempo  em coisas pueris ou em conversas intranscendentes. 
Durante sua juventude, começou uma e mais vezes diferentes carreiras universitárias, sem conseguir nunca formar-se em nenhuma  delas, pois que, tão logo começava seus estudos, apoderava-se dele uma  voraz ansiedade por concluí-los quanto antes, de tal forma que, não  podendo conter seu apressamento, decepcionava-se, deixando trunca do seu propósito. De igual modo atuava, enfim, com tudo o mais, sendo sua vida, por causa dessa deficiência, uma constante sucessão de  desventuras. 
Alguém, certo dia, fez com que ele notasse sua lamentável falha, e  com tanta clareza, tino e acerto, que, ante a visão mental do desafortunado  personagem, rodou integralmente o filme monótono de sua vida, fugazmente vivida, penosamente desaproveitada, na qual sobressaíam projetos malogrados, lacunas sem preencher, anelos e esperanças sem  satisfazer, ansiedade indefinida por coisas que jamais puderam ser concretizadas. 
O pranto começou, então, a correr pelas linhas de sua face sombria.  Mas a voz amiga convidou-o a contemplar quanto ainda ele tinha  por viver, e, ao lhe indicar a forma de administrar seu tempo vindouro  para recuperar o que jazia no passado, incitou-o a praticar durante  alguns meses um novo método de vida e a forjar uma nova concepção  da existência: “Deves começar por estimá-la e valorizá-la como algo  transcendente”, disse-lhe; “como uma oportunidade que terás de aproveitar até o último suspiro, procurando enriquecê-la cada dia com mais  amplos e valiosos conhecimentos. Isso te proporcionará muitos  momentos felizes, tonificará tuas energias com novos e fecundos entusiasmos,  com estímulos precursores de férteis esforços que te aproximarão  cada vez mais das fontes inesgotáveis da Vida Universal.” 
Com essas reflexões, cuja extensão e profundo conteúdo contrastavam claramente com sua vida estéril e agitada, cheia de urgências vãs e  carente de realizações concretas, o infeliz personagem, compreendendo  seu erro, decidiu-se a frear seus arranques impulsivos e a começar uma  vida nova, mais consciente, mais sensata, mais positiva. 
Anos mais tarde, o ex-apressado comentava com verdadeiro prazer o episódio narrado, confessando que a mudança de compreensão sobre  a vida, operada nele, fazia-o experimentar a sensação de estar aproveitando  inteligentemente não só o tempo de toda uma vida, senão o de  várias ao mesmo tempo.  (Gonzalez Pecotche, “Intermédio Logosófico”, pág. 45-46)

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